sábado, janeiro 03, 2015

Liberdade 40X40


sábado, dezembro 28, 2013

As cidades invisíveis (tornar visíveis as cidades invisíveis)



É o humor de quem a olha que dá à cidade (…) a sua forma. Se passarmos por ela a assobiar, de nariz no ar atrás do assobio, conhecê-la-emos de baixo para cima: sacadas, tendas a ondular, repuxos. Se caminharmos através dela de queixo contra o peito, com as unhas espetadas nas palmas das mãos, os nossos olhares prender-se-ão ao chão, aos regos de água, aos esgotos, às tripas de peixe, ao papel velho. Não se pode dizer que um aspecto da cidade seja mais verdadeiro que o outro (…).
In Italo Calvino, 1994 (1990). As Cidades Invisíveis, Lisboa: Teorema. p.68.

“Como quem lavra as entranhas da Terra” – Projecto Minas





Nós, os Homens, somos fracos. A nossa força só aparece quando nos unimos à Terra, quando a lavramos! É preciso rasgar a Terra para lhe beber a força. Se a lavramos à superfície bebemos-lhe a seiva através das plantas, se lhe rasgamos as entranhas, então acrescentamos força às nossas mãos para trabalhar, para lutar, até para amar, construímos casas e caminhos, alimentamos as nossas vaidades… fazemos coisas belas… arrancamos a riqueza à Terra e o nosso ser aumenta!
Esta tarefa, milenar e sempre árdua, deixa cicatrizes na Terra. Mais evidentes ou menos, elas aí estão, locais onde se misturam as memórias, a pele e o sangue dos homens que na Terra, nas pedras, cravaram as mãos  e deixaram a alma!
Fotografar estas cicatrizes é um projecto fotográfico do f2.8 Colectivo de Fotografia que começou em 2007. Primeiro, focalizado apenas na Faixa Piritosa Ibérica, mas que depois se foi ampliando a outras minas e outras formas de explorar o interior da Terra, de lhes arrancar as matérias primeiras com que fazemos o Ser Homem – o pensamento e a acção!
E se esse fazer o Ser Homem implica criação – então não há melhor local para mostrar este projecto do que um Museu construído para se tornar memória da criação artística dos Homens simples, que à força de braços, provocaram, alguns deles, as cicatrizes-memórias que aqui queremos mostrar!

f2.8 Colectivo de Fotografia

domingo, março 28, 2010

Leituras



Conhecemos o mundo porque o lemos!

A ler conhecemos, a ler sabemos, a ler sentimos!

Conhecemo-nos porque nos lemos, a ler somos ser. Sabe-nos bem ler, faz-nos bem ler!

Olhando o mundo, olhando-nos a nós – construímos o ser a ler, a ler e a sentir a vida e a força de viver!

Podemos ler a dor, lemos a alegria, lemos o amor, a esperança… lendo olhamos, olhando sabemos que vivemos! E ao viver, somos! Porque lemos!

E do fundo da memória do que vimos e do que lemos, vêm a nós as estórias fabulosas do que julgámos visto, as poesias do tempo, centelhas intemporais de saberes, de sonhos, de gozos, sentimentos, afectos… e na fotografia as fixamos, essas centelhas, leituras…

sábado, abril 18, 2009

Os sentidos da água


Tentai agarrar o frio da água e o seu sabor, tentai agarrar a cor da água tormentosa e o cheiro de uma onda do mar e tentai, ainda, ouvir o silêncio da água parada de um charco ao luar, tentai…
Tentai sentir a água desde sempre sentida. Sentir a sede de ver, a sede de ouvir, de tocar, de cheirar, sentir a sede de saborear.
Tentai, agora, agarrar um raio de sol com a mão. Conseguem? Tentem, então, agarrar esse raio de sol reflectido numa gota d’água, na concha da vossa mão! Olhai a luz. Olhai a gota. É memória! Memória de vida, vida sentida, vida sonhada…
Água! Na água-mãe está a escrita da vida sentida e na vida, por ela permitida, estão os sentidos da água!
E o fotógrafo escreve-grava-sente a água… e a vida!

sexta-feira, dezembro 07, 2007


O Mar é a terra da vida!

E todos os Homens são migrantes, desejosos de voltar à sua terra, que querem voltar a olhar a sua terra. Mas o Mar só é Mar porque tem limite e, esse limite é a Terra. O Mar não seria Mar se não existisse Terra.

As Fronteiras sempre foram especiais, sempre foram terras indefinidas, fluídas, quase líquidas, quase irreais. E quanto mais in-humanas, mais atraentes para o Homem-migrante, para o Homem que quer voltar a olhar a sua Terra.

Depois do olhar vem o sentir. O Homem-migrante sente o apelo da fronteira, sente o limes, a linha entre o esquecimento e a memória. E essa linha limite, entre o desejo e a História é fábula, natureza naturante do Homem. Do Homem que vê, do Homem que sente.

Para o fotógrafo-Homem-que-olha-e-que-sente, as arribas são limes, são fronteiras entre o lugar ser e o lugar estar. É luz interpenetrante, não pertence ao Mar, nem à Terra certamente. É o lugar-desejo, onde se capta uma luz, algures entre o estado liquido e o estado sólido. Sim, porque a luz tem um estado físico, um estado que se sente, ou antes, que se pressente.

Na fotografia capta-se o real?

Não, na fotografia sente-se um real, escolhe-se, de acordo com o sentir, a coloração desse real, a forma desse real. E ao escolher estamos a criar...

Sob o olhar do fotógrafo, a luz metamorfoseia o seu estado. A máquina fotográfica, qual crisálida de luz, é instrumento de criação. Fotografar é permanentemente modelar fronteiras, mesmo que essas fronteiras sejam fábulas, arribas, terras e mares... luz!

“Só o contraste destaca o colectivo”
F2.8 COLECTIVO DE FOTOGRAFIA


“(…) Entre estas pessoas, poucas são as que entendem a fotografia no mesmo registo, poucas são as que a utilizam para a mesma função. Mas aqui entra outro conceito comum ao grupo – o respeito – o respeito pelo outro, o respeito por posições e atitudes diversas. Aliás, todos acreditamos numa fotografia complexa, plurifuncional e pluriestésica. No fundo, se os caminhos são diversos, o gosto pela fotografia, por toda a fotografia, esse é comum.”
Do catálogo da Exposição de Fotografia do F2.8 Colectivo de Fotografia
Casa Roque Gameiro, Amadora, Junho/Julho de 2007


O F2.8 Colectivo de Fotografia, sócio Colectivo do Centro Cultural Roque Gameiro, é um projecto multipessoal, na medida em que é sentido por um grupo de 14 pessoas que em comum têm a amizade e o respeito mútuos, para além do gosto da fotografia, que, por acaso, as juntou.

Essencialmente apostámos na diferença. Na diferença de atitudes e linguagens fotográficas. E foi essa diferença, que ao se fundamentar no respeito, cimentou o projecto. A nossa primeira exposição tentou ilustrar estes princípios, mas outras iniciativas estão já em andamento, iniciativas que na sua essência manterão a ideia-chave, que intitula esta exposição – Só o contraste destaca o colectivo!


Aproveitamos ainda para agradecer aos serviços sociais da CGD, a cedência do seu espaço para esta nossa primeira exposição. Quem sabe, um dia voltaremos com outra…

Alzira Maria Avelino
Angélica Valente
António Delicado
Armando Cardoso
Carlos C.
Elsa Mota Gomes
Henrique Oliveira Pires
Jaime Bahia
João Castela Cravo
Jorge Adn Costa
Margarida Araújo
Maria Paula,
Marta Cravo,
Vanda Foster Silva,


“(…) que a nossa fotografia não se esgote no colectivo, mas, também, que o colectivo não se esgote na fotografia.”

Este era o desejo final formulado no texto do catálogo da nossa primeira exposição “Só o contraste destaca o Colectivo”. Agora, passado algum tempo, podemos dizer que esse desejo tem-se realizado. Continuamos a ser um grupo entrelaçado pela fotografia, mas também pela amizade. Um colectivo em que aquilo que nos une continua a ser a diferença, a diferença no entendimento da Fotografia, a diferença na procura de caminhos diversos, mas em que todos eles desembocam no mesmo Mar, como rios, tumultuosos uns, tranquilos outros, convergindo no mesmo querer-ser-estar – a Fotografia.

Sim, não temos um entendimento da fotografia mono-formalista. Não nos preenche um caminho, mesmo que muito bem calcetado, onde todos tenham que andar da mesma maneira. Preferimos as veredas, mesmo mais difíceis de calcorrear, desde que todas concorram para uma Fotografia poli-formal, poli-estética.

O acolhimento à nossa primeira exposição (patente na Casa Roque Gameiro, na Amadora e na Sede da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa), deu-nos ânimo para continuar a trilhar as nossas veredas, para continuar a fazer e a mostrar as nossas fotografias. Para além desta, outras exposições já estão em projecto, outras coisas estão em mente. Afinal, a Fotografia, entendida sobretudo como criação, é sobretudo isso, uma actividade mental ligada á mão – em consequência, Arte!

F2.8, Colectivo de Fotografia
Sócio Colectivo do Centro Cultural Roque Gameiro
Novembro de 2007


F2.8 Colectivo de Fotografia


A fotografia aproximou-nos, a amizade entrelaçou-nos.

Quase todos andámos pelo extinto site foto.pt e assistimos ao arranque extraordinário do gosto amador (na plenitude exemplar do termo) pela fotografia em Portugal. Quase todos nos reencontrámos no site 1000imagens.com, onde se consolidou uma amizade, assente assumidamente na diferença. Não nas diferenças pessoais, que essas pouco importam, mas nas diferenças de linguagem fotográfica. Entre estas pessoas, poucas são as que entendem a fotografia no mesmo registo, poucas são as que a utilizam para a mesma função. Mas aqui entra outro conceito comum ao grupo – o respeito – o respeito pelo outro, o respeito por posições e atitudes diversas. Aliás, todos acreditamos numa fotografia complexa, plurifuncional e pluriestésica. No fundo, se os caminhos são diversos, o gosto pela fotografia, por toda a fotografia, esse é comum.

Também quase todos nós, depois da partilha de trabalhos na internet, tentámos outras formas de mostrar a nossa fotografia (afinal ela é, em primeiro lugar, comunicação). Exposições colectivas e individuais, publicação em revistas, sendo também verdade que alguns já o faziam, antes do despertar da fotografia digital, no tempo exclusivo da fotografia analógica pura e dura, no tempo dos laboratórios, dos cheiros acres a reveladores e fixadores. Chegámos então a um momento, em que partimos da ideia que, depois de um caminho mais solitário, é desejável e necessária a companhia de outros no desenvolvimento de um projecto comum. E nasceu o F2.8 Colectivo de Fotografia. Um projecto, quase um desejo, que mais tarde veio a merecer o apoio do Centro Cultural Roque Gameiro, associação da qual o F2.8 se tornou sócio colectivo.

Esta é a nossa primeira exposição, sujeita ao tema que afinal é a nossa essência, o colectivo. Mas outras exposições já fervilham nos nossos projectos, bem como diferentes actividades fotográficas.

E a terminar, um desejo: que a nossa fotografia não se esgote no colectivo, mas, também, que o colectivo não se esgote na fotografia.

Arribas - Paisagens, Geologia, Fauna e Flora




“Arribas “ – Paisagens, Geologia, Fauna e Flora, é o título da exposição de fotografia do f2.8 – Colectivo de Fotografia, que irá estar presente no Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa, na Rua da Escola Politécnica nº. 58 em Lisboa, de 30 de Novembro até 28 de Dezembro.

O 'f2.8' é constituído por um grupo de autores que têm por objectivo primordial potenciar e dinamizar experiências individuais e colectivas no campo da fotografia, numa diversidade de temas, de estilos e de abordagens fotográficas.

A exposição, que decorre de uma parceria celebrada entre o f2.8 CF e o Museu Nacional de História Natural, pode ser visitada de Terça a Sexta, das 10 às 17 horas e aos Sábados e Domingos das 11 às 18 horas. Encerra às Segundas e Feriados.

sábado, julho 09, 2005

Morte e ressurreição do Fotojornalismo, por Christian Caujolle

Christian CAUJOLLE*, 2005, Morte e Ressurreição do Fotojornalismo, in Le Monde Diplomátique (ed. Port.), Março, p.5



Segundo CAUJOLLE, dois acontecimentos importantes e trágicos, em 1004, as torturas na prisão de Abu Ghraib, em Bagdad, e o tsunami do Oceano Índico, vieram trazer questões novas ao fotojornalismo. O que se passa é que as imagens que primeiro correram mundo fora, , na sua maioria colhidas por amadores, em especial em formato digital, através de máquinas fotográficas, vídeos ou simplesmente telemóveis. Sob o ponto de vista da imagem, estes documentos, independentemente do seu autor, serviram para legitimar verdades acontecimentais, ultrapassando uma tradição quase secular que atribuía aos jornalistas fotográficos o privilégio de apresentar a verdade testemunhal icónica dos factos.
A nossa relação com o real e a sua imagem alterou-se, portanto, no sentido da velocidade e da “democraticidade”, na acessibilidade aos factos. Aos fotojornalistas restam agora duas atitudes. Ou o regresso ao velho estribilho da concorrência desleal, que já se tinha levantado com a escalada da televisão, ou então um reacção vital, de propostas, que afinal obedecem a regras muito simples. O fotojornalista não deverá ser o mero ilustrador de uma notícia, mas sim o jornalista que aborda a actualidade com pontos de vista próprios, diferentes, em trabalhos de verdadeira investigação e criação. Os fotojornalistas devem assim deixar de lado antigas discussões da relação de imparcialidade com a realidade, e tornarem-se, eles próprios, autores-criadores, só eles podendo salvar uma imprensa escrita moribunda. É também indispensável que os suportes impressos tenham um novo sentido das imagens que publicam, seja fotografia digital (obtida e tratada das mais variadas formas), fotografia analógica, infografias, desenhos, todas as imagens têm um valor próprio informativo e que se devem afastar o mais possível de estereótipos.
CAUJOLLE termina o seu texto dizendo (e cito): “É a vez de esta última (a fotografia) demonstrar que os Cezanne, os Malevitch e os Picasso da arte fotográfica ainda não chegaram. E que as suas imagens serão mais novas, mais fortes e perturbantes que nunca.”


* Fundador e director da Agência e da Galeria VU, Paris

domingo, maio 22, 2005

Michal Mackú e a fotografia experimental expressiva

Michal Mackú nasce em 1963 na Républica Checa. Nos seus trabalhos, utiliza preferencialmente o nú, descascando o papel fotográfico, de modo a constituir uma fina película, que depois enruga, ou mesmo rasga, de modo a dar a sensação de que fotografa apenas a pele das pessoas. Fotografia experimental expressiva, assim se lhe refere o catálogo do Museu Ludwig, de Colónia, publicado pela Tachen

O tempo

“Sabes, frei António, o tempo é algo que não se sente, que não se pensa. Há um tempo para mandar, um tempo para sofrer, um tempo para amar, enfim há um tempo para tudo, mas o tempo não se pode pensar e sentir. Tu pensas o tempo, frei António? Não, tu pensas no tempo! Tu sentes o tempo? Não, tu só podes sentir no tempo, porque o tempo, frei António, é algo fugidio, é tão instante que se torna impossível de captar. Mas o tempo faz parte de nós, não o pensamos, não o sentimos, mas em nós o pressentimos, em nós o percepcionamos, o tempo existe por nós! Pressentes em ti o tempo, frei António?”

Isto escrevi há uns meses, num texto que já não é meu, porque o ofereci ao Vasco Ribeiro (um grande abraço para ti). Escrevi-o para uma fotografia e nele falo do tempo, no tempo, esse grande escultor, como já lhe chamaram, no tempo que nos vai esculpindo, sem nunca se enganar no escopro e no cinzel. O tempo que é irrepetível, irrecusável e instante. O ser humano desde muito cedo pensou no tempo porque nunca o conseguiu dominar. Já lhe chamou Deus e lhe consagrou imagens e templos, já lhe teceu loas, já viveu e morreu por ele...
Desde muito cedo os artistas o quiseram representar, depois aprisionar, depois libertar. Ele é Cronos, mas também Janus. O derradeiro sentido do homem é o da imortalidade, porque isso lhe permitirá sair do tempo.

Vem todo este arrazoado, que espero me perdoem, pelo facto da fotografia ser uma arte do tempo. Tempo e luz, eis a matéria-prima da fotografia, o resto é técnica e saber-fazer. A fotografia pretende captar a luz inscrevendo-a num tempo. Mas é um tempo que se torna intemporal, porque o tempo escapa-se a todos. Tentem conservar uma pedra de gelo em cima da areia do Sara ao meio-dia, assim é tentar captar o tempo numa fotografia. Apenas ficaremos com uma imagem fugidia, da água que se some ao nosso olhar, uma memória apenas. Já o disse uma, fotografias são farrapos de memórias, vestígios dessas memórias que depois tentamos reconstituir num processo arqueológico, pedaço a pedaço. Quando mostramos uma fotografia somos arqueólogos da memória e o que queremos é que a nossa memória seja reconhecida através de uma espécie de mapa do tesouro, onde damos pistas – “vejam, este sou eu, este é o meu tempo, este é o tempo em que eu vivi, o tempo em que eu procurei ser constantemente novo, em que eu procurei reviver em instantes que hoje mostro!”. Fazer fotografia é assim uma maneira em que procuramos os vestígios da nossa imortalidade, nunca conseguida mas sempre procurada.

Mas o que tem este texto a ver com fotografia? É que este reconhecimento da memória está presente em todas as formas de arte. Porque arte é sempre uma forma que se inscreve na cultura e cultura, entre outras funções, serve como memória extracorpórea, talvez uma das coisas que nos torna singulares no mundo animal. Ao fotografar o Palacete do Visconde de Sacavém, em Lisboa, eu estou a ter uma atitude de meta-arte. Eu mostro o mapa do tesouro do Visconde, mas esse mapa também é meu, porque o estudei ou, pura e simplesmente, porque o vi e o fotografei. E assim, através de uma ilusão técnica, o tempo do Visconde se misturou com o meu. Não falo em destino, porque esse seria futuro e o futuro não existe. As feiticeiras gregas teciam as linhas do destino, a magia da fotografia tece as linhas do passado, da nossa memória, de nós.

Josef Koudelka

Josef Koudelka nasceu em 10 de Janeiro de 1938 em Boskovice, Checoslováqui. Estuda engenharia na Universidade Técnica de Praga entre 1956 e 1961, começando a fotografar a partir de 1961/62: a família e os amigos, ciganos na Checoslováquia. Em 67, depois de seis anos de profissão, demite-se do seu emprego de engenheiro aeronáutico para se consagrar à fotografia. Em 68, está em Praga. Tem 30 anos. No dia 21 de Agosto, quando os tanques entram na cidade (n. Tanques soviéticos, fim da Primavera de Praga), Koudelka segue-os por toda a parte. Regista todas as imagens, do princípio ao fim: a resistência, a capitulação de um sonho, as faces da tragédia. As suas fotos, que saem milagrosamente do país, chegam à Magnum, Elliott Erwitt, na época presidente da agência, manda vir os negativos correspondentes e monta com eles uma curta-metragem para a CBS. No ano seguinte, essas imagens correm mundo sem que o seu autor seja revelado. É ainda como anónimo que Koudelka recebe a medalha de ouro do Robert Kapa Overseas Press Club, em 1969. Parte para o exílio em 1970, na Grã-Bretanha, mas só reconhecerá a autoria das fotos de Praga em 1984, depois da morte do seu pai (este permanecera na Checoslováquia). É membro Associado da Agência Magnum a partir de 1971 e membro efectivo desde 1974. Naturaliza-se francês em 1987. Viajante incansável, Koudelka já visitou Portugal, tendo fotografado sobretudo o sul do país.

apud Grande Reportagem, Novembro de 1991, pp.124-129

Fotografia Conceptual

Em Novembro de 2002, José Marafona publica no site fotográfico 1000imagens.com, um artigo intitulado “Conceptualismo na Arte Fotográfica”. Foi este o meu primeiro contacto com esta vertente da fotografia, que imediatamente me motivou um grande interesse, que aliás aumentou à medida que fui “descobrindo” o trabalho daquele fotógrafo.
“(...) a realidade pretendida pode ser (re)criada induzindo com isso um conceito, ou criando um conceito usando uma realidade existente.” (Marafona, 2002)
Do interesse intelectual, a pouco e pouco, passei a um estado de deslumbramento. O conceptualismo fotográfico era um caminho que se me afigurava como exemplar na procura de uma expressividade que a fotografia mais clássica pode negar.
“O conceptualismo aplicado à fotografia é uma “ferramenta” que pode ser ajustada por forma a criar fronteiras ténues entre estados mentais próximos do surrealismo, mas separados logicamente por uma pequena dose de razão.” (Marafona, 2002)
Comecei então a brincar com a manipulação digital de fotografias, como forma de experimentar caminhos. Não me sentia, nem técnica nem esteticamente preparado para criar fotografia conceptual. Havia, e ainda há, o pudor do aprendiz perante a obra do mestre (que me perdoe o José). Até que um dia arranjei coragem e inseri no 1000imagens, uma fotografia que incluí no tema fotografia conceptual. E foram alguns comentários positivos de companheiros e do próprio José Marafona, que me levaram a continuar.O que me atrai neste caminho fotográfico, é a possibilidade de criar (mais do que fotografar) através da fotografia. Criar um conceito a partir de ícones vários e distintos, recriar uma realidade, um cosmos próprio, normalmente onírico, sem qualquer preocupação de contar uma história, mas dando pistas para que a história exista. Entre o criador e o observador estabelece-se um laço, um laço entre o sonho e a realidade. Não há aqui (embora possa resvalar para) surrealismo. O surrealismo resulta de automatismos psicológicos, o conceptualismo joga com a razão, implica uma concordância icónica com a realidade. O surrealismo trabalha com o inconsciente, o conceptualismo cria consciência.Estabeleci a minha referência à obra de José Marafona, embora os meus trabalhos estejam longe da sua criação depurada e da sua qualidade de imagem, da mesma maneira que este autor refere a obra de Manuel E. A. Sousa, já falecido, seu compagnon de route, fotógrafo dos primórdios do conceptualismo português dos anos 70 do pretérito século. Do pouco que dele conheço, reforço o que diz Marafona, infelizmente Manuel Sousa está esquecido na história da fotografia portuguesa.A fotografia conceptual tem hoje uma ferramenta que Manuel Sousa não dispunha no seu tempo, os editores de imagem. Mais fácil se torna o trabalho, que naquela altura bem complicado devia ser. Mas é precisamente esta vantagem que provoca alguma incompreensão relativamente à fotografia conceptual. Muita gente, arvorada em purista, tal Castilho contra Antero, zurze neste tipo de trabalho, forte e feio. Felizmente que já se vão vendo alguns fotógrafos a experimentar, a fazer e a incluir os seus trabalhos nesta categoria. Em 2002 dizia Marafona “(...) uma viagem através dos meus medos, alegrias, frustações e ansiedades, apoiando-me aqui e acolá nas minhas contradições, aguardando forças para continuar num caminho que não tem referências de destino ou companheiros de viagem.”Afinal José, a sua viagem serviu para desbravar terreno!
Venteira/Amadora, 21 de Janeiro de 2004

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